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O convite foi-lhe dirigido há um ano e, sempre que a saúde permite, Ana de Jesus, ou “Ti Ana”, como prefere ser chamada, com 105 anos, junta-se durante a tarde aos utentes do centro de dia Laços Quotidianos, em Matosinhos, para transmitir o seu exemplo de vida aos utentes.
A sua participação, explicou à Lusa o diretor técnico do centro de dia, Francisco Vieira, insere-se num “projeto que visa levar vários elementos da comunidade para interagir e socializar com os utentes de centro de dia, desde crianças a séniores”.
“A Ti Ana, com 105 anos, surge como um exemplo de resiliência e que pode estimular as outras pessoas para terem sentido de vida e qualidade de vida. Ela, ao chegar aqui e ter capacidade de verbalizar o ano em que nasceu, estar constantemente a sorrir e ainda proferir várias rimas e ditados populares, é um exemplo e motivação para estes utentes, que, em determinado período da sua vida, numa faixa etária mais avançada, têm a tendência para se lamentar”, acrescentou.
Perante isto, frisou o responsável, confrontados com “um exemplo com 105 anos”, os utentes, cuja idades variam entre os 66 e 94 anos, vêm “atenuar esse desconforto” e ficam “motivados”.
Garantindo que a interação “produziu alterações na forma de pensar e de ser dos utentes”, o exemplo de “boa disposição” da Ti Ana surge sempre que “alguém se lamenta da vida”, provocando uma mudança do “seu discurso e do foco de uma situação de tristeza para uma situação de esperança”.
A interação, acrescentou Francisco Vieira, traz felicidade à centenária”, pois “também para ela isto é muito motivador por saber que pode contribuir para o bem-estar das pessoas”.
Apesar de não ter tido “a oportunidade de frequentar a escola”, a Ti Ana “consegue ter a capacidade de estar atenta às notícias, ao seu clube, que é o FC Porto, e de estar atualizada”, facto que a “mantém muito bem em termos cognitivos”.
Como quase sempre acontece na interação, Ti Ana respondeu à Lusa citando um dos seus versos preferidos: “perguntais de onde eu sou/minha terra não a nego/sou de Castelo de Paiva/ onde os meus olhos navego”.
“Nasci no dia de consoada [24 de dezembro] de 1913, a minha falecida mãe ainda fez as rabanadas, mas já não as comeu. Sou Ana de Jesus e nasci no dia de Jesus”, comentou, entre sorrisos.
Das notícias que vê na televisão confessou “só gostar de ver só as boas”, contando que, algumas delas, transmite-as depois “nas conversas com os utentes”.
De resposta rápida, quando questionada sobre qual era o segredo para chegar aos 105 anos, disse “é ter quem olhe bem por mim”, completando com um raciocínio que é, ao mesmo tempo, um alerta.
“Se eu fosse para um lar, já não ficaria assim tão bem”, rematou antes de concluir a conversa com mais uma série de versos, sempre entre risos.
Sentada em frente, na sala iluminada pelo sol, Ermelinda Santos, de 74 anos, não poupou elogios: “ela é o exemplo vivo do que deve ser o nosso comportamento. Sei que há certas pessoas que não conseguem ter essa força”
Afirmando nunca ter conhecido “ninguém assim” com tanta idade, a utente demonstrou à Lusa a forma como acompanha o raciocínio da Ti Ana, afirmando que “não serve de nada ficar a espremer lágrimas ou a chorar alguma coisa de pior que se tenha passado na nossa vida”.
“Acho que se deve sacudir e seguir em frente”, disse.
No canto oposto da sala, poucos metros ao lado da cadeira de Ti Ana, Lucília de Jesus, de 90 anos, garantiu que as conversas com ela “são muito interessantes”, elogiando o “muito valor” aportado por uma senhora desta idade “com a cabeça que ela tem”.
“É um muito bom exemplo para nós. Ajuda-nos a pensar a vida de outra maneira”, disse.
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