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Em Janeiro de 2018, a psicóloga e investigadora norte-americana Maria Konnikova tomou uma decisão surpreendente. Ela aproveitou um ano sabático para se tornar numa… jogadora profissional de poker. A ousada mudança de carreira teve como base uma investigação acerca do comportamento humano. Em concreto, Konnikova tinha como objetivo analisar a maneira como a sorte (e os seus vários desfechos) influenciam os nossos processos de tomada de decisão.
Depois de ter passado um ano a jogar nas maiores mesas de poker do mundo, a investigadora lançou um livro intitulado The Biggest Bluff. Ao contrário do que se possa pensar, The Biggest Bluff não é um livro sobre como jogar poker; é, nas palavras da sua própria autora, uma lição para “jogar à vida.”
Porquê o poker?
Konnikova não é a primeira investigadora a recorrer ao poker como base para as suas experiências. O matemático de origem húngara John Von Neumann, tido como um dos maiores expoentes da matemática aplicada, já tinha usado o poker (um dos seus passatempos favoritos) em várias das suas teses científicas.
Um dos jogos mais populares do mundo, o poker tem sido alvo de grande atenção ao longo dos últimos 10 anos, conquistando um cada vez maior número de adeptos nos cinco continentes do mundo. O principal fator por trás deste fenómeno é o da expansão da indústria do poker online, que só em Portugal já cativou milhares de jogadores. De acordo com a SRIJ, cerca de 675 mil portugueses jogaram de forma ativa jogos de sorte e azar através da Internet em 2021.
Mas para Konnikova, o poker é fundamentalmente interessante por se tratar de um sistema incompleto, onde a sorte e a habilidade interagem, e onde os desfechos são extremamente imprevisíveis. Tal como na vida, o processo de decisão durante um jogo de poker é marcado pela incerteza: por mais habilidoso que seja o jogador, é impossível tirar elações probabilísticas 100% seguras no início de cada ronda. É por isso que o poker é um jogo tão fértil para os campos de investigação da matemática, da psicologia, e do comportamento humano.
Pensar com qualidade é sempre melhor, mesmo que os resultados sejam piores
Mas afinal, o que é que tudo isto tem a ver com pensar sob pressão? Segundo Konnikova, tudo.
No poker, todos os jogadores são obrigados a tomar decisões rápidas num ambiente de grande stress, arriscando por vezes ganhar ou perder grandes quantias de dinheiro. Na vida, um cenário análogo verifica-se em várias instantes, e com resultados ainda mais impactantes. É por isso que “jogar à vida” da mesma forma que se jogaria um jogo de poker acaba por ser vantajoso para o desenvolvimento pessoal de cada um de nós.
Uma das regras de ouro que encontrámos em The Biggest Bluff está assente na ideia de que pensar bem é melhor do que obter bons resultados. Segundo Konnikova, o nosso objetivo deve passar por trabalhar na qualidade dos nossos processos de tomada de decisão, independentemente daquilo que a sorte nos possa trazer. A psicóloga explora um conceito conhecido como ’tilting’ (‘equilíbrio’) para explicar que, no poker e na vida, saber contrariar a irracionalidade das emoções é um dos primeiros requisitos para tomar decisões melhores.
Contrariar o stress é por vezes impossível, mas Konnikova convida-nos a pensar para além dos nossos medos e inseguranças, sempre sem esquecer a importância das probabilidades.
Um novo modelo para combater as fake news?
Konnikova afirma que pensar de modo probabilístico é a maneira mais eficaz de deixar de reconhecer padrões onde eles não existem. Num artigo destacado pela página oficial da BBC, o jornalista David Robson inspirou-se nesta ideia para apelar a uma nova fórmula de combate das fake news. As teorias da conspiração encontram-se normalmente assentes neste tipo de lógica, em que uma série de acontecimentos isolados são unidos por um cordão narrativo que não possui fundamento científico, mas que “faz sentido” numa análise mais superficial.
Conseguir identificar estes falsos padrões e entender que as coincidências são não só reais como prováveis é muito importante para conseguir determinar que notícias são legítimas e que notícias são falsas.
Uma dica para os jogadores de poker
Ainda que os estudos de Konnikova se foquem na ideia de “jogar à vida”, a psicóloga treinou durante um ano com Erik Seidel, um conceituado jogador profissional de poker, e também aprendeu muito acerca do jogo. A investigadora norte-americana referiu no seu livro que, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, olhar para os olhos de um adversário durante uma partida de poker pode ser… inútil.
De acordo com Konnikova, as decisões que um jogador toma ao longo de um jogo de poker (as mãos que joga, as cartas que deita fora, etc.) são muito mais importantes para prever o comportamento do mesmo do que fenómenos físicos e psicológicos como a postura corporal ou o olhar. Konnikova chega mesmo a contrariar a velha ideia que os olhos são o “espelho da alma”, recomendando ao invés que as nossas decisões se foquem em factos puros.