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A imagem do coala ocupa o ecrã inteiro. O computador portátil está aberto em cima da secretária, por baixo da janela, no fundo da cela. Sandra não está a violar o regulamento que os proíbe. O Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, abriu uma excepção a quem faz parte de um projecto-piloto de aprendizagem online desenvolvido por uma equipa do Instituto Piaget.
Sandra está presa há 22 meses. Ainda lhe faltam 33 para terminar a pena a que foi condenada por um crime que prefere não mencionar. “Aprendemos a levar o melhor daqui”, diz. Viu no projecto de e-learning uma “oportunidade de ter contacto com um computador”. “Aprende-se sempre mais alguma coisa. Nem sabia o que era ensino à distância.” Agora, sabe o que é. E sabe que é capaz de se servir dele para aprender. Tinha algumas dúvidas. “Fiz o 12.º ano há muitos anos. Nunca mais tinha estudado.”
Ao 46 anos, alimenta “poucas ambições” laborais. Quer é sair dali e arranjar um trabalho que lhe permitira pagar contas. Aprendeu a usar o Excel, explorou o Word e o Power Point e vai agora estudar empreendedorismo. “Para qualquer emprego hoje em dia pedem que se saiba trabalhar com computador.”
Quem está atrás das grades não fala com quem quer, quando quer. A comunicação com o exterior faz-se de forma controlada – através de cartas, visitas (duas vezes por semana), telefonemas (cinco minutos por dia para familiares e outros cinco para o/a advogado/a). A Internet fica fora. Mesmo quem frequenta o ensino superior tem acesso limitado e vigiado a computador.
O controlo, diz a nova directora da cadeia feminina de Santa Cruz do Bispo, Paula Leão, exerce-se em nome da disciplina e da segurança. “Podem usar e abusar. Podem continuar o crime. Podem tirar fotografias, mandar para o exterior. Não lhes vamos dar acesso a meios rápidos, modernos, para esse efeito.”
A proposta partiu de Pedro Machado, que já não faz parte da unidade de investigação. Esteve a marinar cinco anos até o Ministério da Justiça a autorizar. Uma operadora móvel desenvolveu uma solução específica para as reclusas ficarem limitadas à formação.“Elas só têm acesso à plataforma e na plataforma só estão os conteúdos que nós seleccionamos”, esclarece Angélica Monteiro, investigadora do Instituto Piaget e da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. “O programa foi feito de tal maneira que a reclusa por mais expedita que seja não consegue aceder a mais nada a não ser aquela informação”, corrobora Paula Leão. “Peguei num portátil e dei-o à chefia. Os guardas testaram. Começou o projecto [em Janeiro de 2015.”
[h2]Computador só funciona com programa específico [/h2]O objectivo, diz Angélica Monteiro, é criar oportunidades – para lá dos cursos de educação e formação de adultos, que são ministrados ali dentro, e do ensino superior, que se frequenta sem assistir a aulas, só a fazer exames. É abrir caminho para a aprendizagem ao longo da vida. No fundo, aumentar a oferta que já vai existindo e diversificá-la, não só naquela cadeia, mas em qualquer uma delas. O que se quer é que a experiência seja replicada/disseminada. Em Portugal, como noutros países, a população prisional tende a ter percursos escolares curtos. “O exterior não está famoso, ajuda ter mais formação”, acredita Paula Leão.
Não é uma experiência inédita. Noutras cadeias europeias já foram desenvolvidos projectos semelhantes com o objectivo declarado de melhorar a oferta educativa intramuros. No fim de um deles até se defendeu a criação de uma escola virtual disponível para as várias prisões da União Europeia – um grupo de professores e peritos em e-learning capaz de recolher e distribuir conteúdos por todo o lado.
Conciliar estudos com trabalho
A taxa de actividade é elevada no estabelecimento prisional gerido pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) em cooperação com a Santa Casa da Misericórdia do Porto. Segundo Manuel Belchior, coordenador da Santa Casa, “75 a 80% das mulheres têm ocupação laboral” e muitas delas tentam conciliar o trabalho com os estudos.
in Público
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